Ribeirinha quase nunca ia para a casa de Rai. Na maioria das vezes era a amiga que a visitava e dormia com ela. Isso porque Ribeirinha sempre procurava a mãe de Rai dizendo que já estava sentindo falta da sua mãe e avó e alguém tinha que ir deixar a menina em casa já tarde da noite.
Porém, naquele dia, Ribeirinha decidiu convencer Lúcia a acompanhá-la. Sua mãe não estava muito convencida de ir com a filha, pois Kaio e João juntos deixariam Vó Therezinha extremamente perturbada, mas Ribeirinha sabia ser persuasiva. A garotinha derramou algumas lágrimas, falou que estava com saudades de Rai e preocupada com a amiga que estava mal.
Rai era uma aluna assídua, nunca perdia uma aula e nunca deixava de entregar as lições na data certa, mas já fazia um tempo que se tornou rotineiro ver a cadeira que ela ocupava vazia uma ou duas vezes na semana.
Rai dizia que a fazenda ficava longe da escola e que a mãe trabalhava muito. Como não havia mais ninguém para ficar com a menina era comum que ela acompanhasse a mãe.
Lúcia acabou decidindo ir com a filha, mas levou Kaio junto. Ribeirinha agradeceu a Deus de não ter sido João o escolhido para ir junto.
Rai estava feliz em vê-la, mas parecia um pouco doente. O rosto estava pálido e o semblante decaído. Ribeirinha mostrou as lições que a amiga havia perdido e disse para Rai que não se preocupasse pois a ajudaria com todas elas, além de contar todas as novidades da escola.
Lúcia foi para a sala conversar com a mãe de Rai. Elas não eram muito próximas, mas sempre sabiam ser cordiais. Kaio estava insistente em ficar com as meninas. Ribeirinha não o culpava, ela mesma odiava o tédio das conversas de adulto que não envolviam fofocas.
– E como está na fazenda? – Ribeirinha perguntou enquanto dava para Kaio um giz de cera colorido e papel para distrair o menino.
Rai deu de ombros. Já fazia um tempo que ela não falava da fazenda. Ribeirinha desconfiava de que era porque havia se tornado chato lá, pois não tinha amigos para brincar e conversar.
– Já faz uns dias que eu não vou. – respondeu desanimada enquanto mexia no cabelo da boneca.
– Ah, sim. Você estava doente, não é? Mas se sente melhor agora? – Ribeirinha insistiu. Rai estava calada demais e isso era estranho para alguém que falava tanto quanto ela.
A garota respondeu a pergunta dando de ombros novamente.
Ribeirinha começou a falar de todos os assuntos que acharia que Rai se interessaria. A amiga demorou a reagir, mas aos poucos foi soltando-se e conversando também.
Depois de algumas conversas jogadas fora as meninas começaram a brincar de teatrinho. Uma seria a princesa e outra a plebeia. Rai amava brincar de teatrinho.
Elas estavam na parte em que a plebeia, Rai, conhecia o príncipe, que também era interpretado por Ribeirinha. Quando ouviram alguém bater na porta e as meninas foram ver quem era.
Um homem alto e de cabelo cacheado estava parado na entrada. A blusa de flanela e as botas que ele usava estavam impecáveis. Ribeirinha viu o grande relógio dourado no braço esquerdo e presumiu que ele tivesse bastante dinheiro. O homem segurava algumas sacolas de supermercado e um presente grande.
Ele olhou para Rai e sorriu. – Olá, Rairrai.
Rai só olhou para os pés e se afastou da porta. – Minha mãe tá na cozinha.
– Eu também vim aqui ver você. Fiquei preocupado quando não foi à fazenda. Quando soube que você estava mal resolvi vir te ver e trazer um presente de Natal atrasado.
Rai continuava não olhando para o homem que estava com o presente estendido. Ribeirinha pegou o presente e agradeceu por Rai.
– Se você não quer mais nada então pode ir. – respondeu Rai e o homem riu sem jeito. Ribeirinha riu junto. Sua amiga estava sendo maldosa com aquele homem que era tão bonito e gentil. – vai entrar, então?
Ele não fez cerimonia e entrou. Kaio correu para se agarrar as pernas de Ribeirinha quando o fazendeiro apareceu na sala e voltou seus olhos para a criança.
– Mas que bebê mais fofo! É seu irmão? – perguntou à Ribeirinha, que anuiu. – Eu gosto muito de crianças. Minha esposa não pode ter filhos e eu sinto muita falta do agito lá em casa. Por isso Rai faz tanta falta.
– Ela me contou da fazenda. Disse que é muito bonita. – Ribeirinha animou-se. Estava feliz em fazer sala para o homem.
– É sim. Você pode ir lá com a Rai quando quiser. Acredito que vai se divertir. Rairrai… abre o presente. Quero saber se você gostou.
A menina tirou cuidadosamente o papel e soltou um breve “uau”. Ribeirinha replicou a surpresa. O presente era um enorme joguinho de chá que parecia de verdade, cheio de xícaras, pires, um bule, e até alguns doces de plástico que pareciam lindos.
– É incrível!- Exclamou Ribeirinha.
– É bonito. Obrigada. – agradeceu Rai com um sorrisinho. Kaio chegou perto do presente. Ele também parecia ter gostado.
O fazendeiro começou a conversar com o menininho. – Não, garotão. Um menino como você precisa de um carrinho. Gosta de carrinhos?
Kaio fez que não com a cabeça.
– Gosta de cavalo? – perguntou o fazendeiro. Kaio parou um tempo para pensar e anuiu. – Um fazendeiro igual o tio, garotão. Vem cá.
O homem esticou os braços e Kaio se aproximou. Ribeirinha e Rai não reparavam em nada pois estavam distraídas com os brinquedos. O fazendeiro pegou o menino no colo e o colocou nos ombros, Kaio soltou um gritinho de satisfação no início até que o fazendeiro começou a balançar e fazer barulhos de cavalo.
A criança se assustou e começou a chorar e a gritar com pavor. Ribeirinha soltou o brinquedo e pediu para o homem devolver a criança. Rápida como uma bala, Lúcia saiu da cozinha e em um segundo pegou o filho de volta.
Kaio chorava muito, então sua mãe escondeu o rosto do pequeno no seio.
– Quem é você? – perguntou Lúcia em um tom feroz.
– É o meu patrão, o fazendeiro. Está tudo bem, Lúcia. – respondeu a mãe de Rai assim que surgiu da cozinha.
– Eu-eu só estava brincando com ele, sinto muito – gaguejou o fazendeiro.
– Eles só estavam brincando, mamãe. – concordou Ribeirinha.
– Tudo bem. Ele anda nervoso com a companhia masculina desde um episódio na minha casa. – Justificou Lúcia. – Não acha melhor irmos? – perguntou Lúcia à Ribeirinha.
A garotinha protestou e o fazendeiro decidiu que seria melhor se ele fosse. Então deixou as sacolas de compras perto da porta e desejou a todos boas festas.
Kaio acalmou-se aos poucos e Lúcia pediu perdão por aquilo à mãe de Rai, que garantiu que não havia problema.
– Ele sempre vem aqui, o seu patrão? – perguntou Lúcia.
– Algumas vezes. Ele nos ajuda muito. É um homem de coração bom. Trás brinquedos e roupas pra Rai e algumas compras pra ajudar na casa. É o melhor emprego que eu já tive.
– Realmente é muita gentileza dele. – Lúcia tentou abafar o tom desconfiado já que para ela todos os homens tinham intenções escondidas.
As mulheres resolveram voltar para a cozinha e tomar café. Dessa vez Kaio foi com a mãe.
Ribeirinha e Rai voltaram a brincar. Dessa vez o príncipe e a plebeia foram tomar chá no palácio. As amigas se divertiram muito no restante do dia. Rai prometeu que voltaria à aula e se despediu da amiga com um semblante mais alegre.
No dia seguinte Ribeirinha reparou que a cadeira que Rai sentava continuava vazia.
– Nicoly Araújo e Diego Martins