Ho Ho Ho, Papai Noel chegou!

Ribeirinha adorava o natal mais que o próprio dia das crianças. Era o seu feriado preferido do ano. Dia 24 ela acordou cedo e tomou um bom banho, depois ajudou a mãe com Kaio. Até João levantou cedo e, milagrosamente, não fez birra para o banho.

A comunidade era simples. Não tinham grandes eventos que podiam compartilhar juntos. Com exceção ao natal, uma época bem diferente, já faziam alguns anos que eram visitados pontualmente por vários voluntários de um projeto. Eles entregavam lanches, kits escolares recheados e, o preferido de Ribeirinha, presentes.

Lúcia sempre se esforçava para levar as crianças. O evento acontecia na escolinha, por isso o trajeto era turbulento. Therezinha era presença certa, já que era ela a principal colaboradora, sempre reunindo mais mães para a limpeza do local. Por esse motivo havia saído mais cedo que os netos e a filha.

Meia hora andando e a família chegou. Os voluntários estavam organizando o som e tirando os sacos de presente da van para colocar dentro de uma das salas de aula. Ribeirinha achava que eles eram os ajudantes do Papai Noel, que só chegava mais tarde para entregar os presentes. Quando perguntou o porquê de ele não aparecer antes os voluntários responderam que ele tinha que entregar os presentes de algumas outras crianças antes.

Ribeirinha viu Rai chegar com a mãe que a deixou sob responsabilidade de Lúcia, já que deveria voltar para o trabalho.

– Rai!! Eu achei que não viria! – Ribeirinha correu até a amiga e a abraçou.

– Sabe que eu nunca perco um natal. – Ela respondeu.

Quando terminaram de tirar tudo da van, cinco garotas foram até as crianças que lá estavam e se apresentaram. Elas tinham gorros de natal na cabeça e distribuíram outros entre as crianças.

– O papai noel pode demorar um pouco. Então que tal nós brincarmos? Vocês sabem de alguma coisa que possamos fazer juntos? – Uma delas, alta e de cabelos cacheados perguntou com doçura.

Dividiram as crianças entre as de menores de 6 e as maiores de 6 para brincar.

Jogaram por um bom tempo pique-pega, bandeirinha e até travinha. As ajudantes de Papai Noel se cansavam rápido, o que Ribeirinha achava engraçado. Diziam não ter o mesmo “pique” que as crianças, mesmo assim jogaram até ficar descabeladas.

Quando jogavam bandeirinha, Rai empurrou um garoto um pouco menor com muita força. Ribeirinha se assustou, pois a amiga normalmente não era tão agressiva, mesmo sendo competitiva. Rai xingou a outra criança com palavrões que só adultos usavam. Foi quando Lúcia precisou intervir e puxar a garota, que se debatia de raiva.
As voluntárias se aproximaram para ver o que estava acontecendo. Quando Amanda chegou foi que Rai acalmou-se.

Amanda era quase uma mamãe Noel. Sempre aparecia nos natais, colocava as crianças no colo e brincava com elas. Era a mais velha das voluntárias, mas ainda era nova demais comparado ao próprio velhinho bondoso.

– Rai? O que houve? – ela perguntou preocupada, mas gentilmente, empurrando óculos para mais perto dos olhos.

– Aquele menino trapaceou! Eu toquei nele e ele deveria parar, mas correu com a bandeira. Esse…- e xingou novamente.

– Querida? Não pode falar assim. É uma linguagem muito feia. Sabia que palavrões espantam o Papai Noel? Ele entrega presentes para crianças educadas. Se continuar falando desse jeito ele não vai te trazer presente.

Rai pediu desculpas baixinho, mas se recusou a pedir desculpas até professora Patrícia aparecer e levar as duas crianças para conversar a sós.

Ribeirinha queria ir com a amiga, mas Amanda não permitiu.

– É melhor deixar que eles conversem sozinhos com a Patrícia, não acha?

– É que eu me preocupo com a Rai. Ela anda estressada ultimamente. Mal sai e mal brinca. Eu tenho que falar com a professora pra não deixar ela de castigo ou ela vai ficar mais triste e estressada.

– Pode deixar que eu falo com a Patrícia. Não se preocupa. – Amanda prometeu.

As crianças pararam de brincar e se reuniram com os pais para fazer uma oração. Daniel, que sempre conduzia as falas, orou o pai nosso e ave Maria e depois agradeceu a presença de todos.

Ribeirinha procurou Rai, mas não a encontrou, viu somente o menino que ela havia empurrado e Patrícia.

– Onde a Rai tá? – perguntou para Lúcia, sua mãe apenas disse que iria procura-lá.

Depois das orações as crianças foram separadas novamente para outros tipos de brincadeiras enquanto preparavam o lanche.

Rai havia recebido um sermão de Patrícia. Ao menos ela considerou assim. Emburrou-se e correu para se trancar no banheiro. Ninguém a entendia de qualquer forma. Isso a fazia sentir muita raiva e tristeza. Ficar triste consequentemente a fazia sentir mais raiva e esse era um ciclo bem comum nos dias da menina.

Ela ouviu as batidas de Patrícia, mas ficou calada até que a professora desistisse.

Pouco tempo depois voltaram a bater na porta e Rai mandou que fossem embora.

– Meu anjo? Sou eu, a tia Lu. Você vai perder o lanche. – falou a mulher com gentileza. Rai sentia um carinho imenso pela mãe de Ribeirinha. Sentia-se confortável com Lúcia que a tratava como filha.

A garota resolveu sair do banheiro, abriu a porta lentamente e abraçou a mulher. – Me desculpa, tia Lu. Eu não queria machucar aquele menino, mas eu estava com muita raiva. – Rai sabia que não podia machucar as pessoas, mas quando ela mesma sentia-se machucada como não retribuir? Algumas lágrimas começaram a escorrer por suas bochechas.

Lúcia acariciou seus cabelos e limpou os olhos molhados da menina.

– Tudo bem, querida. Nós conversamos sobre isso em casa.

Elas caminharam de volta para o pátio, onde as crianças se reuniam. Mas no caminho se depararam com um velhinho vestido de vermelho. O Papai Noel notou a garotinha de olhos vermelhos e perguntou o que estava acontecendo. Rai sentiu-se mal. Ele deveria saber que ela era uma garota malvada e que não ganharia presente.

– Fale com o Papai Noel, Rai.- incentivou Lúcia.

Rai olhou para os pés. – Eu fui malvada.

– Mas parece arrependida, não é? – perguntou o bom velhinho. Rai fez que sim e se segurou para não chorar.

– Ho ho ho, então está tudo bem! O importante é se arrepender e não ser malvada novamente.

– Então quer dizer que eu posso ganhar presente? – Rai levantou os olhos e sorriu.

– Claro! O que você deseja?

Rai aproximou-se de Noel, que se abaixou para ouvir, e sussurrou o seu pedido: – Eu quero uma casa pra morar.

Papai Noel ficou surpreso. – Você já não tem uma? – sussurrou de volta o velhinho.

Rai fez que sim. – Mas eu quero uma que seja só minha. Assim eu posso morar sozinha.

– Oh, mas crianças não devem morar sozinhas.- Respondeu Noel.

– Então quero ser adulta. Assim posso morar sozinha.- insistiu Rai, que parecia aborrecida.

– Mas isso não seria presente que se dê. Muitas pessoas desejam a infância de volta, inclusiva esse velhinho aqui. Você deve aproveitar cada segundo de sua infância. Imagine crescer e não poder brincar. Imagine ver seus amigos se divertindo na rua e você não podendo fazer o mesmo porque é uma adulta. Não é legal.

Rai franziu os lábios e pensou. – Então vou pensar em outra coisa pra pedir.

Papai Noel sorriu e tocou no rosto de Rai. – Isso é ótimo. Agora preciso entregar brinquedos. Vejo você depois do lanche.

Ribeirinha havia guardado suco e cachorro quente para a amiga e as duas conversaram sobre a aparição inesperada do Papai Noel. Mas não conversaram muito, pois Noel logo surgiu para todos e entregou brinquedos e kits escolares.

As crianças se divertiram muito juntamente com os pais que ficaram felizes vendo seus filhos tão alegres. Antes de ir, sem que as crianças vissem, Noel falou com a professora Patrícia sobre o pedido inusitado de uma das crianças que já queria ser adulta. A professora ficou curiosa e prometeu falar com a mãe da menina para verificar se tudo estava bem.

Depois de todos se despedirem, Ribeirinha começou a contar as horas para o próximo Natal. Rai estava ansiosa também, mas ainda não sabia o que pediria ao Papai Noel quando o visse no ano seguinte.

 

– Nicoly Araújo e Diego Martins

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