Gravidez precoce e os casos de violência sexual não notificados

A violência sexual provoca variadas sequelas físicas e emocionais em crianças e adolescentes, sendo uma delas a gravidez precoce, a qual atinge o desenvolvimento integral dessas vítimas. Segundo SINASC, Sistema de Informação Sobre Nascidos Vivos, entre o período de 2011 e 2015, 31.611 crianças e adolescentes com até 13 anos de idade tiveram filhos.

Não bastasse a violência em si, a gravidez na infância ou na adolescência pode gerar baixa autoestima, ausência de apoio familiar, alto nível de estresse, presença de sintomas depressivos e poucas expectativas no que diz respeito ao futuro, gerando consequências psicoemocionais diversas.

A vítima gestante em decorrência de violência sexual pode ser comumente induzida a reviver o momento da violência (flashbacks), tanto pelos sintomas decorrentes da gestação quanto durante o trabalho de parto ou após a sua conclusão.

Merece destaque o fato de que quase 20% das meninas com até 13 anos de idade que tiveram filhos informaram que estavam em uma união estável, um dado preocupante, pois segundo o Código Penal Brasileiro, os atos sexuais praticados com menores de 14 anos são tratados como crime (estupro de vulnerável – art. 217-A do Código Penal), independente da comprovação de discernimento ou consentimento da vítima para a prática do ato, ou de quaisquer outras circunstâncias.

Soma-se a isso o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o qual afirma, na Súmula 593, que o crime de estupro de vulnerável se configura com a conjunção carnal ou prática de ato libidinoso com menor de 14 anos, sendo irrelevante eventual consentimento da vítima para a prática do ato, sua experiência sexual anterior ou existência de relacionamento amoroso com o agente.

Por isso é de fundamental importância que o profissional da saúde compreenda a violência sexual em todos os seus aspectos para que possa cumprir com a sua obrigação legal de notificar todos os casos desta natureza que tiver conhecimento (artigos 13 e 245 do ECA e Lista de Notificação Compulsória – LNC) para que a vítima possa ser atendida de forma integral, inclusive realizando o abortamento legal, caso seja essa a sua vontade, e o abusador seja devidamente responsabilizado.

Essa obrigatoriedade foi reforçada recentemente no estado do Pará com a edição da lei estadual nº 9.264, de 28 de abril de 2021, a qual determinou que as unidades de saúde, os hospitais públicos, assim como as escolas estaduais localizadas no Estado do Pará, deverão notificar ao órgão responsável do Poder Executivo Estadual todos os casos de gravidez na adolescência.

Confira a nova legislação na íntegra:

Estabelece a notificação compulsória dos casos de gravidez na adolescência.

A ASSEMBLEIA LEGISLATIVA DO ESTADO DO PARÁ estatui e eu sanciono a seguinte Lei:

Art. 1° As unidades de saúde, os hospitais públicos, assim como as escolas estaduais localizadas no Estado do Pará, deverão notificar ao órgão responsável do Poder Executivo Estadual todos os casos de gravidez na adolescência.

Parágrafo único. Para efeito do disposto no caput deste artigo, considera-se gravidez na adolescência, a gravidez em adolescentes na faixa etária compreendida entre 10 e 19 anos, sendo computado dados dos dois gêneros: morte da criança e o nascimento com vida.

Art. 2° As unidades de saúde, os hospitais públicos, as escolas estaduais e privadas que não cumprirem com o disposto nesta Lei, estarão sujeitos às mesmas sanções impostas aqueles que deixam de informar ao órgão responsável os casos de doenças e agravos à saúde, objetos de notificação compulsória.

Art. 3° O Poder Executivo indicará o órgão fiscalizador e promoverá a regulamentação desta Lei estabelecendo as normas necessárias ao seu cumprimento no prazo de 60 (sessenta) dias, contados da data de sua publicação.

Art. 4° Esta Lei entra em vigor na data da sua publicação.

 

Jonatha Almeida

 

REFERÊNCIAS

Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica / Ministério da Saúde. 3 ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.

 

RIOS, K.S.A.; WILLIAMS, L.C.A.; AIELLO, A.L.R. Gravidez na adolescência e impactos no desenvolvimento infantil. Adolescência & Saúde, v. 4, n. 1, p. 6-11, 2007.

 

SOUTO, R.M.C.V; PORTO, D.L.; PINTO, I.V.; VIDOTTI, C.C.F.; BARUFALDI, L.A.; FREITAS, M.G.; SILVA, M.M.A.; LIMA, C.M. Estupro e gravidez de meninas de até 13 anos no Brasil: características e implicações na saúde gestacional, parto e nascimento. Ciência & Saúde Coletiva [online], v. 22, n. 9, 2017.

 

SILVA, A.J.C.; TRINDADE, R.F.C.; OLIVEIRA, L.L.F. Presunção do abuso sexual em crianças e adolescentes: vulnerabilidade da gravidez antes dos 14 anos. Rev. Bras. Enferm., v. 73, n. 4, 2020.

 

BYRNE, J.; SMART, C.; WATSON, G.“I Felt Like I Was Being Abused All Over Again”: How Survivors of Child Sexual Abuse Make Sense of the Perinatal Period Through Their Narratives. Journal of Child Sexual Abuse, 26:4, 465-486, 2017.

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