O Projeto de Lei 5435/2020, proposto pelo Senador Eduardo Girão (Podemos – CE), chocou os brasileiros e tomou conta das redes sociais. As polêmicas giraram principalmente em torno das disposições acerca do retrocesso aos direitos das mulheres, visto que prejudica claramente o direito a interrupção da gravidez, além da responsabilização do genitor e do auxílio para gestantes vítimas de violência sexual, popularizado como bolsa estupro. Façamos algumas considerações gerais sobre os pontos mais polêmicos do PL.
- Criminalização de todas as formas de aborto:
Os artigos 8 e 9, § 1°, do Projeto de Lei dispõe que será vedado aos particulares causarem danos ao nascituro, sendo responsabilizados civil e penalmente. Vejamos:
Art. 8º – É vedado a particulares causarem danos a criança por nascer em razão de ato ou decisão de qualquer de seus genitores.
Art. 9, § 1° – O genitor ou qualquer particular que, de qualquer modo, quer por instigação, ato de violência ou negligência contribuir ou por em risco a vida da gestante e da criança por nascer, deverá ser responsabilizado civil e penalmente, conforme dispositivos normativos em vigência.
Nesse sentido, as discussões concentram-se no óbice que tais dispositivos trariam as possibilidades de aborto legal. Atualmente a vítima de violência sexual que tenha engravidado por conta do abuso pode comparecer a uma unidade do Sistema Único de Saúde e interromper a gravidez, todavia com a eventual responsabilização pelos danos causados ao nascituro, traria insegurança aos profissionais responsáveis pela realização deste procedimento.
Além disso, nos casos de gravidez decorrente de estupro a vítima é orientada de que pode 1) realizar o aborto; 2) continuar com a gravidez; 3) continuar com a gravidez e entregar a criança para a adoção. Porém, com a “inovação” trazida pela lei, a gestante teria apenas as possibilidades 1 e 2.
- Os direitos do “pai”:
O Projeto de Lei também traz à tona o direito que possui o genitor à informação e ao exercício da paternidade.
Art. 10º O genitor possui o direito à informação e cuidado quando da concepção com vistas ao exercício da paternidade, sendo vedado à gestante, negar ou omitir tal informação ao genitor, sob pena de responsabilidade.
Este é, sem dúvidas, um dos trechos mais assombrosos deste PL, mesmo que de maneira mascarada. Isto se dá pois quando assegura tais direitos ao genitor, impossibilitando a gestante opor quaisquer obstáculos a ele, também é garantido ao estuprador o acesso a qualquer informação sobre a criança, podendo, inclusive, fazer visitas.
Este também é considerado pelos estudiosos um gigantesco retrocesso aos direitos das mulheres ao compelir a mulher vítima de estupro a manter a gravidez, com evidente desprezo à sua vontade e ao seu corpo. Além disso, estimula o contato com o agressor, mesmo que indiretamente, em respeito ao direito de “exercício da paternidade”, ignorando completamente os traumas decorrentes da violência sexual sofrida.
- O auxílio financeiro às vítimas de violência sexual:
O PL promete auxílio financeiro às vítimas de estupro com o pagamento de um salário mínimo até os 18 anos da criança.
Art. 11º Na hipótese de a gestante vítima de estupro não dispor de meios econômicos suficientes para cuidar da vida, da saúde, do desenvolvimento e da educação da criança, o Estado arcará com os custos respectivos de um salário-mínimo até a idade de 18 anos da criança, ou até que se efetive o pagamento da pensão alimentícia por parte do genitor ou outro responsável financeiro especificado em Lei, ou venha a ser adotada a criança, se assim for a vontade da gestante, conforme regulamento.
Neste dispositivo fica evidente o intuito de ignorar os traumas que a gestação pode ocasionar à vítima de estupro mediante a troca da interrupção da gravidez por auxílio financeiro que pode se mostrar muito atrativo principalmente no contexto de crise econômica que vivemos em razão da pandemia. Além disso, é possível verificar outros problemas como o de não indicar a periodicidade e a fonte de custeio do auxílio, bem como garantir a bolsa somente às gestantes que não dispõe de meios econômicos, o que torna a proposta inconsistente.
Portanto, a proposta não parece garantir de fato os direitos da gestante, visto que não traz a ela garantias efetivas, colocando em risco suas vidas enquanto preza pelo nascimento, sequer mencionando qualquer apoio psicológico à mãe e à criança. O Projeto de Lei, na verdade, acaba retrocedendo com os direitos já garantidos às mulheres, mais parecendo uma tentativa camuflada de cessar com o aborto.
Mas e você? O que achou do PL? Leia todo o teor do Projeto de Lei aqui.
– Nicoly Souza Araújo