Todo tipo de violência gera repercussões de forma direta na saúde de crianças e adolescentes, que englobam tanto questões físicas como psicoemocionais. Neste sentido, no ano de 2006 o Ministério da Saúde criou o Sistema de Vigilância de Violências e Acidentes (VIVA), que é dividido em duas categorias. A primeira é a vigilância de violência interligado ao Sistema Nacional de Agravos de Notificações (Sinan-net). A segunda é a vigilância de violências em emergência hospitalares. Formando, assim, bancos de dados que permitem planejar ações de prevenção e promoção à saúde.
A Atenção Primária de Saúde é a porta de entrada do sistema de saúde brasileiro, sendo voltado para melhoria da qualidade de vida dos indivíduos na comunidade. Nele é implementada a Estratégia da Saúde da Família nas Unidades Básicas de Saúde com atendimento de uma equipe multidisciplinar. É importante ressaltar que os profissionais na atenção básica são os mais próximos das famílias e mais envolvidos em ações coletivas, logo, eles atuam no contexto mais favorável para realizar a identificação de violências cometidas contra crianças e adolescentes.
Como o profissional deve proceder durante o atendimento?
A atenção básica costuma ser responsável pelo primeiro atendimento em casos de violência sexual. Sendo assim, é dever dos profissionais agirem com acolhimento, responsabilidade e resolutividade.
Por isso, há necessidade de um local físico adequado para o atendimento dessas vítimas que garanta sua privacidade. Esta medida é fundamental para gerar confiança e compreensão. Porém, ressalta-se que para evitar constrangimento que pode vir a configurar violência institucional, este espaço não deve ser identificado nominalmente ou ser exclusivo para casos violência sexual.
A equipe interdisciplinar deve ser composta por profissionais sensíveis a questões inerentes à violência sexual, entendendo-a como fenômeno social que provoca agravos à saúde, capacitados para o atendimento de emergência dos casos e adoção das medidas de anticoncepção de emergência e profilaxias das Infecções Sexualmente Transmissíveis. Além disso, é necessário que a unidade disponha de materiais e equipamentos úteis ao atendimento que podem ser os mesmos presentes nas consultas ambulatoriais de ginecologia ou obstetrícia.
O acolhimento deve observar medidas, posturas e atitudes que compreendam as demandas e expectativas da vítima e o profissional responsável por fazê-lo deve informar ao responsável/familiar sobre cada medida tomada e seus motivos.
Uma etapa que é de extrema importância é a de notificação, podendo ser realizada tanto com a mera suspeita quanto com a confirmação da ocorrência da violência. De acordo com a portaria 1.271/2014 do Ministério da Saúde, a notificação é obrigatória para todos profissionais de saúde, seja de instituição pública, seja de instituição privada e deve ser realizada em até 24 horas após o atendimento.
A notificação é realizada com a utilização da “Ficha de Notificação/Investigação de Violência Doméstica, Sexual e/ou outras Violências”. Este documento é voltado para informar o perfil da violência, características da vítima e do autor(a) da agressão. Além disto, uma cópia da ficha deve ser encaminhada para o Conselho Tutelar, a qual também pode ser remetida à Unidade Judicial da Infância e Juventude ou a Delegacia do local dos fatos. Por isso, o Ministério da Saúde recomenda que “a comunicação seja feita em um informe sintético para não identificar o profissional ou o serviço que notificou”, visando proteger os responsáveis pela notificação.
A articulação da Rede de Atenção e Proteção de Pessoas em Situação de Violência é imprescindível e os encaminhamentos para outros setores da saúde e de proteção devem ser registrados.
Quais sinais podem indicar a ocorrência de violência sexual?
Nem sempre a criança apresentará sinais físicos e visíveis. A forma mais comum de percebê-los é através da mudança de comportamento, visto que o contato íntimo entre a vítima e o abusador ocorre a partir de uma progressão.
Sinais a serem observados:
- Atitudes sexuais incompatíveis com a idade;
- Masturbação compulsiva;
- Demonstração de conhecimento sobre atividades sexuais incompatíveis com a idade;
- Infecção urinária de repetição;
- Edemas e lesões em área genitais;
- Lesões do palato ou de dentes anteriores;
- Sangramento vaginal;
- Sangramentos, fissuras ou cicatrizes anais;
- Dilatação ou flacidez do esfíncter anal;
- Rompimento himenal;
- Infecção Sexualmente Transmissível;
- Gravidez precoce e/ou aborto.
Diretrizes para profissionais da saúde realizarem o atendimento de vítimas de crimes sexuais:
- Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde;
- Notificação de violências interpessoais e autoprovocadas;
- Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica;
Todos são materiais gratuitos e de fácil acesso, disponibilizados pelo Ministério da Saúde.
Jonatha Almeida
Núcleo de Pesquisa sobre Violência Sexual
REFERÊNCIAS
EGRY, E.Y.; APOSTOLICO, M.R.; MORAIS, T.C.P. Notificação da violência infantil, fluxos de atenção e processo de trabalho dos profissionais da Atenção Primária em Saúde. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 23, n. 1, p. 83-92, Jan. 2018.
TRABBOLD, V.L.M.; SILVEIRA, M.F.; GUIMARÃES, C.T.F.; SANTOS, M.I.P. Notificação e capacitação como desafios para a estratégia saúde da família no enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. Brazilian Journal of Development, Curitiba, v.7, n.1, p. 3993-4015, 2021.
Brasil. Ministério da Saúde (MS). Linha de cuidado para a atenção integral à saúde de crianças, adolescentes e suas famílias em situação de violências: orientação para gestores e profissionais de saúde. Brasília: MS; 2010.
Brasil. Ministério da Saúde. Prevenção e tratamento dos agravos resultantes da violência sexual contra mulheres e adolescentes: norma técnica. 3. Ed. Brasília: Ministério da Saúde, 2012.
Brasil. Ministério da Saúde. Notificação de violências interpessoais e autoprovocadas. Brasília : Ministério da Saúde, 2017.