O foragido

O lanche da tarde era vitamina de banana. Ribeirinha tomava o mais rápido possível para voltar a brincar com os colegas. Therezinha olhava a neta com cara de quem sabia mais.

Assim que a neta terminou a copada de vitamina e deixou a caneca sobre a pia a avó perguntou para onde ela pretendia ir.

– Para o mesmo lugar de antes, vó. Eu “tava” brincando. – respondeu.

– Pois espere a comida descer. Não vai sair pra lugar nenhum agora.

Ribeirinha fez bico e insistiu, mas sabendo a hora de ceder resolveu sentar no chão da sala e ligar a tv. Mudou alguns canais procurando um desenho, mas parou quando viu um rosto familiar.

– Ô mãeeeee, vó!! – gritou. As duas correram apressadas com Kaio aos calcanhares de Lúcia.

– O que foi menina? – perguntou a avó – Aconteceu alguma coisa?

A garota apontou para a TV no momento em que Kaio gritou e se escondeu atrás das saias da mãe.

“O homem dizia se chamar Francisco e trabalhava como ajudante de pedreiro na casa de Juliana e Marcelo. Depois de um tempo Juliana descobriu que Francisco tirava fotos do filho de 4 anos enquanto estava nu e brincava com a criança como pretexto de tocar o menino de maneira inapropriada…”

– Mãe é o Marcus…- Falou Lúcia. A imagem do homem que aparecia na TV era a do homem que havia permanecido naquela casa e que havia tentado abusar de Kaio.

– Eu disse, mãe! Todo mundo me disse que eu “tava” neurótica e era muito protetora, mas esse animal tentou fazer o mesmo com o meu filho!

Therezinha se aproximou da filha e colocou os braços ao redor da mulher que tremia. – O que tá escrito aí, Ribeirinha? – Perguntou a avó.

Ribeirinha leu – homem abusa de criança de 4 anos e foge do local para não ser atacado pela população.

– Onde tá o João? – Lúcia perguntou tremendo mais ainda.

– “Tô” aqui mãeee! – o menino apareceu com uma lupa na mão.

Ribeirinha tomou o objeto do irmão. – Seu pestinha! Já estava tentando queimar os insetos?

– Graças a Deus – suspirou Lúcia. – Ninguém sai hoje!

– Mãeee!! – As duas crianças mais velhas reclamaram, mas Lúcia estava irredutível.

As crianças permaneceram em casa todo o dia e Lúcia vigiava as notícias de maneira obsessiva. Insistiu para que trancassem as portas e ficassem todos no mesmo cômodo.

Até vó Therezinha respeitou a vontade da filha e se manteve milagrosamente calada. A família deixou algumas luzes ligadas antes de dormir e ninguém ia para um cômodo sozinho.

Lúcia não dormiu bem a noite e deu graças a Deus por ser sexta-feira, o que significava que não teria de se preocupar com as crianças na aula. Ela temia pelos filhos como só havia feito na vez que descobriram sobre o abuso de Maria, sua sobrinha.

O homem foi preso no dia seguinte, mas os “e se” não saíram da cabeça de Lúcia e Therezinha.

“Nós aprendemos, filha. E não vai acontecer porque ensinamos as crianças o certo” foi o que Therezinha falou.

Ambas eram mães que se preocupavam em demasia com seus filhos. Nem sempre estavam cientes do que acontecia com eles e isso as vezes assustava, mas mesmo a velha Therezinha ainda aprendia sobre maternidade àquela altura da vida.

Jamais deixariam de se preocupar, porém era dever delas preparar suas crias para o mundo e de fato as duas estavam tentando e continuariam a falar de assuntos difíceis se isso significasse manter em segurança as crianças que tanto amavam.

 

– Nicoly Araújo e Diego Martins

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