“Ninguém mexe comigo”

Ribeirinha ouvia os murmúrios pela sala. Odiava ter que ouvir os outros falando de sua família. Os comentários variavam de Maria para Kaio e vice-versa. Sua prima já não ia para as aulas por coisas como essa, mas a professora estava passando as lições para que ela resolvesse em casa e se disponibilizou para aulas extras.

-Olá, crianças! –  Professora Patrícia parecia agitada. Pediu ajuda para dois dos alunos para entregar algumas folhas com o que parecia a letra de alguma música.

Ribeirinha olhou atentamente para o papel entregue e leu rápido seu conteúdo, surpreendendo-se. Por que a professora havia levado aquilo?

– Sabemos que algumas coisas muito tristes aconteceram com pessoas muito queridas. – Ribeirinha franziu o cenho. Até Patrícia falaria de sua família? – Pensando em como cuidar de vocês, que são tão especiais para mim, resolvi fazer uma aula especial para todos.

– O que a professora fazendo? – sussurrou a melhor amiga de Ribeirinha, Rai, que tentava olhar por cima das cabeças curiosas.

– O que ela tá fazendo? – perguntou.

– Vamos ver. – Ribeirinha não ficaria contente se Patrícia começasse a falar de Maria ou de Kaio.

A professora pediu para que todos fizessem um semicírculo com as cadeiras, deixando um espaço bem amplo para visualizarem o quadro e o cartaz.

Depois do barulho das carteiras sendo arrastadas, todos se sentaram em silêncio, pairando sobre as crianças a energia de sua curiosidade, tentando descobrir sobre o que a aula se tratava.

– Hoje nós teremos uma aula sobre educação sexual – Ribeirinha se sentiu aliviada. Não falariam da sua família e ela também sabia algumas coisas sobre o assunto graças a Lúcia.

Patrícia parecia animada ao ver seus alunos curiosos. Sempre pensara que tratar daquele assunto não era em nada fácil. Passou horas pesquisando sobre como falar com as crianças e descobriu várias brincadeiras. Estava feliz pelo conteúdo que tinha e considerava estar pronta para as perguntas que viriam.

A professora tomou um longo fôlego e prosseguiu.

– Quantos de vocês sabem o que são partes íntimas e onde ficam? -Ribeirinha prontamente ergueu a mão, mas quando os outros colegas não a acompanharam a garotinha, envergonhada, baixou o braço.

Após uma pequena pausa para analisar os rostos curiosos a professora continuou.

– Essa será a primeira aula da série de outras que darei falando sobre o assunto. Falaremos sobre educação sexual e como nos proteger. Mas antes quero que aprendam uma musiquinha para cantar comigo.

Patrícia ligou o som e uma mulher começou a cantar. As crianças acompanharam a letra pelo papel.

para, para, pa-pa-pa-para

É muito importante ser valente

Ser valente é ser confiante

Que gente pequenina já é gente

E toda gente pode ser gigante”

A melodia era contagiante. Não demorou muito para as crianças começarem a cantar junto.

Depois de algumas repetições todos já sabiam a letra de cabeça, sem nem olhar o papel.

Patrícia estava extremamente contente e parabenizou a todos, dizendo que ganhariam um pirulito pelo bom trabalho.

– Todos vocês são crianças e os adultos devem respeitar vocês. Caso contrário eles estarão cometendo um crime.

– O que é um crime? – perguntou um dos colegas de classe.

Patrícia pensou na melhor forma de explicar. – Um crime é algo que é contra a lei e a lei é um conjunto de regras que nos diz o que é certo e errado, assim como nos dá direitos importantes. Se alguém faz algo contra essas regras, como roubar, está agindo contra a lei e deve ser responsabilizado pela Justiça.

– Minha mãe me dava banho, ela vai ser presa? – Júlia, uma das garotas do terceiro ano, perguntou assustada.

– Crianças devem ser cuidadas pelos pais e pessoas ao seu redor. Isso também é regra da lei, assim como adultos não podem machucar vocês e tocar seus corpinhos de maneira inapropriada.

Ribeirinha sentou na ponta da cadeira. Quanto mais Patrícia falava, mais ela se inclinava para aprender, assim ensinaria os próprios irmãos.

– Muito bem. Agora eu vou fazer perguntas e vocês me dizem o que a música ensinou vocês a fazer. – Começou a professora – É verdade que todo o adulto está certo todo o tempo?

– Não! – as crianças responderam em uníssono.

– Isso mesmo! Os adultos devem respeitar as crianças também. A criança também pode dizer “isso não pode” e quando parar.”

Ribeirinha lembrou de pronto da musiquinha.

– Se eu achar estranho o jeito de alguém me encostar o que eu vou fazer? – Patrícia colocou a mão no ouvido e as crianças responderam:

Eu vou gritar “aaaaaaaaaaaaahhhh”

A cada resposta correta Patrícia ficava mais contente com os alunos.

– E se eu achar suspeito o jeito de alguém me mexer, o que eu vou fazer?

Correr!! – exclamaram os alunos.

– Se alguém for me maltratar e eu não souber contar, se eu for contar e eu não souber pra quem…

Eu disco 100!! – Responderam com a letra na ponta da língua.

A professora aplaudiu animada as suas crianças.

-Sim! Lembrem da musiquinha sempre. Se alguém olhar, tocar, fotografar, se mostrar eu vou?

– Gritar, correr, contar ou discar 100!

– Muito bom! Estou muito orgulhosa. Vocês já sabem, então: Todos os adultos devem respeitar os corpinhos de vocês. Lembrem sempre de gritar, correr, contar ou discar 100.

Patrícia liberou as crianças para o intervalo. Logo depois voltariam para estudar história, mas a professora prometeu sempre trazer brincadeiras do tipo.

Ribeirinha guardou o papel na mochila. Os irmãos adorariam a música.

“Ninguém mexe comigo o meu corpo é meu abrigo…”

A menina cantarolou a música por todo o caminho de volta para casa.

Quando chegou na pequena casinha de madeira Ribeirinha logo perguntou pelos irmãos, mas sua mãe mandou que fosse se lavar para o almoço.

Ribeirinha fez tudo na pressa e aporrinhou os irmãos até que decorassem a música (ao menos João, já que Kaio mal sabia falar).

Lúcia viu a filha animada dar aula para os irmãos menores e perguntou o que havia acontecido na aula para animá-la tanto.

Ribeirinha olhou para a mãe e respondeu: – Minha professora ensinou coisas importantes hoje. Se eu estudar muito posso virar professora como ela e ensinar outras crianças sobre as mesmas coisas.

Lúcia sorriu e fez carinho na cabeça da filha. – Você vai ser uma excelente professora.

– Obrigada, mamãe. – disse e logo procurou as tarefas de casa para responder. Se Maria soubesse de algumas daquelas coisas, se outras crianças que suportaram as mesmas situações soubessem, talvez as coisas tivessem sido diferentes.

Ribeirinha sempre soube que a educação era uma ferramenta que podia mudar o mundo. Ao menos era o que a professora Patrícia sempre dizia. Agora que tinha convicção naquilo, a garotinha estava disposta a também usar dessa ferramenta para ajudar as pessoas.

– Nicoly Araújo e Diego Martins

Notas nossas:

Há uma infinidade de conteúdo interessante na internet. Nós mesmos do Futuro Brilhante disponibilizamos cartilhas gratuitas no blog.

Mas existem muitas outras coisas: músicas, historinhas (como essa), brincadeiras e várias outras.

Para ouvir a musiquinha que Patrícia mostrou para as crianças acesse:

https://www.youtube.com/watch?v=J1RHieEwRNE

Fique ligadinho nos nossos conteúdos e nos próximos capítulos.

Até a próxima!

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