Passaram-se apenas 10 dias desde o ocorrido com Maria, mas a Ribeirinha sentia como se tudo tivesse acontecido no dia anterior. A comunidade estava agitada demais. Na escola não se falava em outra coisa, os amigos de Ribeirinha não saíam mais para brincar e a própria garotinha não ia para a escola todos os dias e quando ia tinha que estar acompanhada da sua mãe. Todos ao redor de Ribeirinha pareciam afetados pelos acontecimentos.
Menos tia Neuza, que ignorava tudo o que aconteceu com sua Mariazinha, negando-se firmemente a tocar no assunto. Isso gerou mais crises do que nunca na família de Ribeirinha. Lúcia insistia que era necessário abordar o assunto e procurar ajudar Maria, mas Neuza estava irredutível.
Para Ribeirinha não havia momento mais infeliz do que quando todos se sentavam à mesa juntos, no jantar, onde o único ruído que ouviam era o da mastigação, como se ninguém mais pudesse se comunicar.
Vez ou outra só se ouvia um sermão de Neuza para que a filha comesse, mas quanto mais passavam-se os dias, mais comida Maria deixava no prato. Todos estavam preocupados demais para insistir para que ela comesse mais um pouco.
Ribeirinha pensou que essa tristeza nunca mais se desfaria, principalmente para a pobre prima. Tudo piorou com o acontecimento do dia posterior àquele em que a menininha foi à delegacia.
Quando todos souberam o que ocorreu com a neta de Therezinha, tentaram invadir a casa do agressor, pais de crianças que sempre visitaram o lugar batiam com pedaços de pau no portão.
Maria ouviu o barulho e tremeu tanto que não suportava ficar em pé, encolheu-se no canto da sala e vomitou. Lúcia disse que ela estava em pânico, abraçou a menina com força e tapou seus ouvidos e a fez respirar lentamente.
Neuza, que sempre tinha uma reação para algo, ficou paralisada ao ver a filha daquela forma. Sentou-se e pediu por um copo de água para si.
Enquanto isso vó Therezinha implorava para que todos fossem embora, ninguém da família odiava mais o agressor do que amava Maria, e não importava para Therezinha o quão doentio o homem era, ela só queria que a neta ficasse bem.
Entre os gritos para parar, a multidão dispersou-se quando a polícia chegou e levou o homem.
Ribeirinha estava curiosa para ver o vizinho. Não lembrava mais do rosto dele desde o acontecido. Foi estranho ver que o homem que os policiais levavam para dentro do carro era um idoso pequeno e corpulento. Desde que Maria contou para a família sobre ele, a Ribeirinha mudou a imagem mental que tinha para alguém grande e feio que a daria medo e repulsa. Mas o homem era velho e normal. E isso a deixou confusa.
A partir daquele dia a família barulhenta e alegre ficou cada vez mais silenciosa e apática, assim como Maria.
Ribeirinha ficava em casa o dia inteiro. Só saía para a escola trazendo consigo as lições de Maria, que normalmente não as fazia sozinha, precisando sempre da ajuda de Lúcia. Ribeirinha tentava convencer a prima a sair um pouco ou brincar.
– Eu quero ficar sozinha, me deixa – respondia a garota em um tom raivoso.
– Mas eu posso deixar você fazer penteados em mim e nós brincamos de salão, podemos fofocar – Ribeirinha sabia que era uma das brincadeiras favoritas da prima.
– Sai daqui, Ribeirinha! – Maria respondeu jogando um travesseiro na prima mais nova, que saiu do quarto correndo e chorando.
Lúcia percebeu a filha e perguntou o que tinha acontecido.
– Maria não gosta mais de mim. Ela não gosta de mais ninguém daqui. Eu tento, mamãe; quero deixar ela feliz, mas ela não é mais feliz.
Lúcia sentiu pena da pequena garotinha, e com um aperto no coração pegou as mãos da filha e fez carinho. – Isso não é verdade, Ribeirinha. Maria ama todos nós, ela só tá triste, mas isso vai passar.
– Quando? – perguntou a criança enquanto soluçava.
– Não sabemos.
Mais tarde naquele dia, as crianças estavam se lavando e prontas para dormir, quando as três mulheres da casa sentaram-se à mesa.
Lúcia estava possessa, tentava fazer Neuza reagir para ajudar a filha que estava cada dia pior enquanto Therezinha só escutava.
Neuza abriu a boca, os lábios tremeram enquanto enfim tentava desabafar.
– Eu sempre a achei tão forte. Nunca me esforcei muito em nada por ela porque Maria sempre resolvia. Eu não sei o que fazer, mãe.
Lúcia se manteve calada e Therezinha segurou a mão da filha mais velha.
– Eu não sei nem como eu faria se fosse contigo ou tuas irmãs. Você não precisa saber também, mas ao mesmo tempo tu precisas fazer algo. Maria precisa de ti.
Neuza olhou então para a irmã.
– Eu não faço ideia de como posso ajudar, toda vez que eu penso no que aconteceu minha pressão desanda.
– Você vai ter sempre nossa ajuda, sei que tu é viúva e só tem a Maria, mas se não fizer algo você pode perder ela.
Vó Therezinha apertou a mão de Neuza com força e falou:
– Você vai dar apoio. É hora de ser adulta e cuidar da tua filha, porque dessa vez quem precisa é ela.
Maria sempre tinha pesadelos pela noite. Ela se recusava a fechar os olhos e dormir até que o sono já fosse insuportável demais para aguentar. Mas naquela noite ela não dormiria só. Neuza deitou-se do lado da filha e fez carinho no cabelo de Maria.
– Eu vou sempre tá aqui, e eu vou proteger você. – Sussurrou para a filha.
Maria abraçou apertado a mãe e dormiu sentindo o cheiro de Neuza, de casa, de segurança e de família. E toda vez que ela acordava com medo era aquele cheiro que a envolvia, e eram as mãos da mãe que a colocavam para dormir novamente.
Dois dias depois Neuza informou que iria para a cidade conseguir um médico para cuidar da filha, ela havia falado com a irmã do falecido marido e ficariam na casa dela no dia da consulta.
Depois de um certo tempo não havia mais ataques na pressão de Neuza e Maria começou a comer toda a comida do prato, bem como dormir a noite e brincar de salão de beleza com Ribeirinha.
Mesmo assim, a família nunca mais seria a mesma. Estavam mais unidos agora.
– Nicoly Araújo e Diego Martins