Criança birrenta

Patrícia percebeu que não seria um dia fácil quando as duas meninas mais unidas da classe começaram a discutir. Na verdade, não havia facilidade em qualquer dia quando se é professora, muito menos professora de terceiro e quarto ano, mas toda a professora contava com pelo menos um de seus pupilos para ser calmo e ajudar. Porém, para a professora, não era bom sinal que as únicas duas crianças comportadas estivessem discutindo entre si. 

– Mas o que está acontecendo? – Patrícia perguntou cruzando os braços e olhando para as duas meninas, que fizeram bico e olharam para a professora enquanto encerravam, por hora, a discussão.

– A culpa não é minha, Rai que começou sendo ignorante. – Ribeirinha apontou para a melhor amiga. 

– Raiane? – a professora encarou a outra aluna esperando resposta – Não vai se defender? – inquiriu.

Rai deu de ombros. – ela fica metendo o nariz onde não é chamada. 

– Ela me chamou de fofoqueira, professora! – Ribeirinha rebateu.

– Raiane! Tem que pedir desculpas. Não pode ser rude assim com a sua melhor amiga.

– Nunca ouvi falar em pedir desculpas quando falamos a verdade – Rai implicou e Ribeirinha ficou vermelha de raiva pulando na professora com intuito de agredir a amiga.

– EI, EI, EI!!! – Patrícia gritou, mas os alunos já estavam se aglomerando ao redor das três e gritando “briga! briga! briga!”.

Alguns segundos depois a discussão foi interrompida por um brado de ‘SILEEEEEEENCIOOOO!!”. 

Patrícia, com o rosto vermelho das tentativas de apartar as duas meninas, virou-se e viu a diretora furiosa parada na porta. 

Os alunos foram silenciados e as duas crianças soltaram-se e aproveitaram a oportunidade para se esconder atrás das saias de Patrícia.

– Posso saber que baderna é essa na minha escola? – Edileusa perguntou em um tom calmo que deixou Patrícia desconfortável.

A professora passou as mãos na saia na tentativa de desamassá-la e aproveitou para secar as mãos suadas.

– hã… nada? digo… Não ocorreu nada, eu só estava conversando com as meninas e…

– Não ouse mentir para mim, Patrícia – falou Edileusa em um tom ameaçador. A professora se encolheu um pouco e estampou um sorriso amarelo enquanto pensava em algo. As meninas eram, em geral, tão comportadas e Patrícia simplesmente não podia deixar que as duas meninas fossem disciplinadas pela diretora quando acreditava que uma simples conversa resolveria o assunto. 

– Eu juro que não é nada grave, se me deixar lidar com a situação… – começou, mas foi interrompida por Edileusa, que ergueu uma das mãos para silenciá-la.

– Quero que passe dever de casa extra para as duas e mande um aviso para os pais que elas ficarão sem recreio durante essa semana.

Rai e Ribeirinha abriram a boca para protestar, mas Patrícia as advertiu com um olhar de que se não permanecessem caladas Edileusa talvez fosse mais severa.

– Espero que não haja próxima vez ou suspendo as duas – Alertou a diretora.

A aula daquele dia fora mais quieta que o normal, já que Edileusa não estava de bom humor e nenhuma outra criança queria perder o recreio.

O sino tocou e, como de costume, os alunos que já tinham suas coisas empacotadas nas mochilas, correram para o pátio ou para as suas casas. Todavia, Patrícia surpreendeu-se com a única remanescente, que ainda copiava lentamente o conteúdo do quadro. 
– Precisa de ajuda, Raiane? – perguntou, tentando não ser amistosa demais.

Rai fez que não com a cabeça e continuou escrevendo.

– Quer conversar sobre hoje? – Patrícia mordeu o lábio.

Rai não respondeu e a professora suspirou. – Tudo bem, você é quem decide. Mas não acho realmente queira ficar de mal com a sua melhor amiga, então sugiro que façam as pazes e peça desculpas, porque você não foi nem um pouco educada hoje, Raiane. – Patrícia fez uma pausa esperando que a menina respondesse, mas a garotinha permaneceu em silêncio. – Quando terminar de copiar o que está na lousa, leve seu caderno até a minha mesa que eu vou passar sua tarefa extra.  

A professora sentou em sua mesa e começou a corrigir alguns dos trabalhos da turma, depois fez anotações sobre as revisões das próximas aulas com base nos assuntos que os alunos mais erraram. Ela mal percebeu o tempo passar até o estômago roncar implorando por almoço. Raiane ainda estava na cadeira escrevendo no caderno, o que era impossível já que não havia muita coisa para copiar.

Patrícia aproveitou o momento de distração da criança e se aproximou lentamente de onde a menina estava e viu que ela desenhava muito habilidosamente o que parecia uma garotinha muito pequena com olhos grandes e tristes próximo a um adulto… a professora não viu muito, pois Rai fechou apressadamente o caderno.

– O que você quer? – perguntou rudemente.

– Rai esse desenho é lindo, posso ver? – pediu a professora.

– Não, não é da sua conta. – ela levantou-se da cadeira, guardou o caderno de desenhos e entregou o de atividades. – Pode passar a atividade extra.

Patrícia suspirou. Não entendia de onde esse comportamento grosseiro havia surgido em uma garotinha tão jovem. Raiane não estava perto da adolescência ainda. A professora pegou o caderno e o levou para sua mesa e escreveu a tarefa: um texto sobre amizade e as pessoas que ela mais gostava. Também fez um bilhete para a mãe da menina.
“Por favor, precisamos conversar sobre o comportamento de Raiane.”
– Agora vá para casa, já está tarde e sua mãe deve estar preocupada. – pediu Patrícia e acompanhou Rai até o pátio.

A menina caminhou lentamente, mas parou ao chegar ao ver a mãe conversando com a diretora no portão. Patrícia observou a cor se esvair do rosto de Rai e ficou intrigada.

Edileusa e Marta se aproximaram das duas e Raiane deu um passo para trás da professora. 

– Já íamos procurar vocês. Marta estava preocupada com Raiane. – disse Edileusa.

– Ela estava finalizando uma tarefa. – garantiu Patrícia e sorriu para Marta. – A diretora já conversou com a senhora? Estamos preocupadas com Rai.

– Ela já falou sim – Marta parecia apressada – Mas não posso falar muito, tenho que ir trabalhar. Vamos Raiane.

Rai se escondeu mais atrás de Patrícia e sussurrou – Não quero ir.

– Algum problema? – perguntou a professora, porém a resposta estava muito bem escrita no rosto de Rai.

– Deixa de birra, Raiane. Eu vou me atrasar por sua causa. – Marta tentou puxar a filha, mas a garota se agarrou fortemente à perna de Patrícia.

– Eu não vou! – berrou.

– Raiane! – retrucou a mãe. – Eu não vou chamar duas vezes. 

– Por favor mãe… eu não quero ir.

-Então quer que eu perca meu emprego? Porque sem ele eu não pago as contas, o aluguel, a comida. Ou você vem ou vamos morar na rua. Você quer isso? – a chantagem pareceu surtir efeito na garota, que ficou comovida e afrouxou o aperto na professora.

Patrícia não gostou nada daquela cena que se desenrolava em sua frente, porém não sabia como reagir. Raiane foi puxada pela mãe e as duas saíram sem dizer mais palavras. 

– Não achou isso estranho? – perguntou Patrícia à Edileusa. A diretora deu de ombros.

– Você não tem filhos. Às vezes eles fazem birra e temos que apelar para métodos não muito aconselháveis.

A professora não pareceu muito convencida e Rai não saiu de sua cabeça durante todo o resto do dia. Patrícia estava convencida a chamar a menina para uma conversa, já que precisava saber o que estava acontecendo.

No entanto, no dia seguinte a menina não apareceu na aula e a professora resolveu que talvez devesse apelar para uma reunião com a própria mãe da criança.

 

Nicoly Araújo e Diego Martins

 

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